Tiago Massoni

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Associate Professor in Computer Science

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Como uma simples decisão da Apple pode ter quebrado o Facebook

Data: February 23, 2022 Palavras chave: apple, facebook, privacidade

A publicidade direcionada, criada a partir do monitoramento constante dos nossos hábitos no smartphone, é a principal fonte de renda das grandes empresas de tecnologia. Uma pequena mudança na política de privacidade do iPhone, meio sem alarde, pode ter dado um golpe mortal nesse faturamento. Qual é o impacto disso no mundo das redes sociais?

Uma mudança simples no iPhone, tomada no ano passado, pode ter mudado para sempre o modelo de negócio das redes sociais. Como as grandes empresas de tecnologia vão resolver esse imbroglio?

Bom dia ouvintes da CBN,

Facebook construiu uma máquina gigante de fazer dinheiro com suas redes sociais e sua publicidade direcionada, mas recentemente uma decisão da Apple, principal produtora de smartphones do mundo, pode ter travado parte dessa máquina.

Esse é o assunto do momento no Vale do Silício, depois que, recentemente, a Meta, empresa que contém o Facebook, apresentou um relatório de ganhos muito abaixo do esperado no mercado financeiro, o que desencadeou perdas de 250 bilhões de dólares em valor de mercado em um único dia. Queda de impressionantes 26% nas ações da Meta.

Muitas análises foram feitas depois deste resultado absurdo. Para os que não gostam do Facebook, a justificativa óbvia era: já que essas redes sociais fazem mal à humanidade, as pessoas estariam percebendo isso. Para quem não acredita na jogada do Metaverso e sua mudança de nome, a culpa estaria no investimento que Mark Zuckerberg está fazendo nessa ideia. Há também a noção de que TikTok e outros concorrentes estão tomando o lugar de Facebook e Instagram na preferência do público.

Todas essas análises têm um quê de verdade. Mas a maioria concorda que a Apple, com o iPhone, parece ter tido o maior impacto no faturamento do Facebook. Algo como 10 bilhões de dólares a menos na conta do Facebook, só este ano. Mas o que a Apple e o iPhone têm a ver com as perdas do Facebook?

As sementes do que acontece agora foram plantadas em no início do ano passado, quando a Apple anunciou mudanças no iOS, o sistema que faz o iPhone funcionar. A ideia era “dar uma chance aos usuários de escolher se os aplicativos que eles usam poderiam rastrear suas ações na internet”. Esse rastreamento é a espinha dorsal de toda infraestrutura de publicidade na rede. É a razão de você receber anúncios de sapatos no instagram depois de você ter entrado em site para comprar sapatos no dia anterior. Para o Instagram, Facebook e outros, é crucial que este rastreamento permita vender anúncios direcionados desta forma, pois a probabilidade dessas pessoas fazerem a compra é muito mais alta. Além disso, eles podem dizer aos anunciantes o que fazemos quando vemos o anúncio, aprimorando ainda mais a abordagem publicitária.

No iPhone, depois da mudança, o usuário pode escolher, quando instala um aplicativo, se ele vai permitir o rastreamento. Ou seja, antes o rastreamento era automático, agora muita gente pode escolher NÃO, não quero ser rastreado.

O Facebook, vendo a ameaça que isso representava, com tantos usuários de iPhone no mundo, começou a atacar a Apple, e uma briga entre as duas ocorreu nos meios de comunicação.

Até agora, mesmo sabendo que essa mudança iria afetar os negócios do Facebook, o mercado achava que a empresa iria dar um jeito de compensar isso com alguma solução brilhante de engenharia, com tanta gente talentosa e muito bem paga trabalhando nisso. Mas os resultados atuais mostram que a coisa foi mesmo feia, e parece que Mark Zuckerberg ainda não tem muita ideia de como voltar a rastrear usuários do jeito que era antes.

Agora, o Facebook assume o tamanho do problema. Estão revelando que, agora, o direcionamento de publicidade está se tornando menos preciso, já que os redes sociais agora sabem menos acerca da atividade dos usuários. Isso significa que os propagandistas têm agora que gastar mais dinheiro para tentar atingir os usuários de iPhone com os anúncios — ou seja, maior dificuldade de um anúncio de sapatos atingir quem potencialmente quer comprar sapatos. No Android ainda é fácil, pois o rastreamento total é liberado e automático.

Podemos dizer que isso não anuncia o fim das redes sociais da Meta, já que eles devem ainda gerar um faturamento de 129 bilhões de dólares em 2022 com anúncios. Eles vão crescer 12% este ano, em comparação com o crescimento de 36% de 2021. Apesar da queda, o crescimento continua. Até quando, não sabemos, já que a preocupação com a privacidade dos usuários está cada vez mais em discussão.

Nesse mundo das redes sociais, está claro que a publicidade e o rendimento da venda de anúncios são antagônicos à privacidade dos usuários. Quando aceitamos usar essas redes, parece que não pagamos nada, mas estamos vendendo nossos dados, o rastreamento das nossas atividades, pois o smartphone está sempre com a gente, e quase todas as nossas decisões de consumo passam por ele.

Independente disso, é interessante refletir sobre o poder de uma empresa como a Apple. Enquanto governos do mundo todo quebram a cabeça para achar um modo de conter a expansão do lado ruim das redes sociais, através de leis e multas, uma simples modificação tecnológica teve um efeito muito maior. Todo esse poder veio da inovação trazida pela Apple, praticamente criando o negócio de smartphones há 15 anos e mantendo a dominação do mercado, mesmo diante da concorrência.

Um abraço e até a próxima.