Associate Professor in Computer Science
Data: June 15, 2022 Palavras chave: machine learning, robôs, trabalho
Nos EUA, empresas grandes estão começando a adotar entrevistas de emprego por vídeo automatizadas, sem entrevistador, como uma medida para lidar com a avalanche de currículos recebidos. Será que isso faz sentido? Questões éticas sérias têm o potencial de espantar os candidatos.
Entrevistas de emprego feitas online, por robôs?
Mesmo que as empresas que adotaram digam que isso pode reduzir discriminação para contratar,
a prática está gerando críticas de pesquisadores e até candidatos.
Bom dia ouvintes da CBN,
Tem muita gente relatando que ir atrás de um emprego hoje em grandes empresas ou startups está parecendo com o Tinder. Sites e mais sites para mandar o currículo, até que alguém te escolhe, sabe-se lá como.
Esse silêncio provavelmente tem um motivo. As empresas que mais contratam, consequentemente também recebem mais currículos. E aí a gerência de RH se vê em meio a uma pilha de milhares deles, uma montanha infinita de perfis digitais, muitos deles sem a qualificação necessária para as vagas abertas. Olhar um por um torna-se simplesmente inviável.
Já tem alguns anos que grandes empresas usam algum tipo de software para filtrar e pré-selecionar currículos e cartas de apresentação, identificando os candidatos mais prováveis através de palavras-chave (por exemplo, palavras como liderança, iniciativa e autonomia, para o caso de gerentes), qualificações ou até base educacional.
Resultado: Consultores no mundo todo compartilham nas redes sociais (e cobram por isso) dicas para fazer currículos com as palavras certas para não serem barrados nesses softwares automáticos. Aliviou a barra para as empresas que analisam menos currículos, com a desvantagem de que elas podem estar recebendo candidatos inadequados que formataram o currículo usando o jeitinho. Considerando que esses sistemas de seleção se espalharam pelo mundo todo, parece que a vantagem compensa.
O sucesso é tanto que esses programas estão indo um passo além. Algumas empresas estão fazendo entrevistas com candidatos de forma automatizada, sem necessariamente um entrevistador humano. O candidato se senta em frente a uma tela de computador, e é instado a explicar por que ele quer o emprego e responder algumas perguntas básicas, para um software. Ao final, normalmente o candidato não tem direito a revisar o vídeo dessa “conversa”. Esse software produz então um relatório e um provável ranking que seria então usado para determinar se aquele candidato deve ser então entrevistado por uma pessoa real.
Várias empresas (pelo menos cinco) nos EUA e Europa estão oferecendo esse serviço, com o auto-proclamado benefício de que esse programa seria científico, e menos enviesado do que pessoas reais do RH de uma empresa, que escolheriam candidatos baseadas em impressões pessoais, e não na competência real. Tal programa já tem sido muito usado em empresas de tecnologia, financeiras e consultoria empresarial, principalmente para selecionar recém-formados. No ano passado, uma dessas empresas relatou que já tinha realizado mais de 20 milhões de entrevistas automatizadas.
Bom, como todo processo automatizado, calcado na eficiência, sempre tem alguns problemas que a princípio não parecem tão óbvios. Quando uma empresa contrata um software, feito por um terceiro, para fazer o filtro, os objetivos, preferências e viés desse terceiro acabam definindo muitas das prováveis contratações, o que acaba fazendo diferença.
Todas essas empresas usam as palavrinhas mágicas que o mercado moderno quer ouvir, como inteligência artificial, aprendizado de máquina e abordagens baseadas em dados. Mas usar qualquer dessas tecnologias envolve trazer para o processo todos os seus riscos. Muito se tem falado desses riscos, e de como programas assim podem “aprender” a ser discriminatórios e direcionados a selecionar certos tipos de pessoa baseado no seu uso de linguagem, por exemplo.
Com isso, já há uma discussão ética séria no mercado acerca dessa questão. Uma agência reguladora da atividade profissional nos EUA já se pronunciou com preocupação, e tem emitido alertas de que a automatização da seleção de profissionais apresenta riscos de injustiça e outros resultados adversos. Como resultado, algumas dessas empresas, por exemplo, eliminaram do processo de entrevista o reconhecimento facial, que já há algum tempo tem sido alvo de críticas por resultados discriminatórios na sua utilização em serviços públicos, como no caso do reconhecimento pela polícia de pessoas suspeitas.
Talvez o maior problema seja que esses programas se baseiam em modelos tão complexos que fica bastante difícil entender por que uma pessoa entrevistada pelo robô seria eliminada do processo. E sem esse feedback, o processo tem o potencial de ser uma fonte de frustração, já que em qualquer processo seletivo há muito mais pessoas rejeitadas do que selecionadas. Sem o feedback, como um candidato vai se preparar melhor? Aí ele acaba procurando soluções fáceis para enganar o sistema, através das dicas nas redes sociais.
Essas empresas se defendem em geral dizendo o processo de contratação sempre foi falho, por depender de preferências pessoais em detrimento ao valor que o empregado pode trazer para a empresa. Assim, os algoritmos poderia ajudar a melhorar esse cenário, de forma mais científica, livre de impressões humanas.
Mesmo assim, já se lê na imprensa histórias de pessoas que, ao saberem que seriam entrevistadas por um sistema automático, desistiram na hora. Ou seja, fazem questão que pelo menos sejam ouvidas por uma pessoa, de carne e osso. Mesmo que seja uma rejeição à atual vaga de emprego, não pedir demais, né?
Um abraço e até a próxima.