Tiago Massoni

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Associate Professor in Computer Science

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Fuga de cérebros na tecnologia?

Comentário: devs trabalhando para fora Data: April 27, 2022 Palavras chave: educação, trabalho

Hoje, uma situação que virou comum entre quem trabalha com tecnologia: um emprego em que você trabalha no Brasil, com pessoas do mundo todo, para uma empresa no hemisfério norte, com salário em moeda estrangeira.

Que tal um emprego em que você faz parte de uma equipe de pessoas que estão em suas casas, em vários países do mundo? E o empregador é uma empresa de outro país? Para brasileiros que trabalham em tecnologia, essas condições têm se tornado frequentes, especialmente depois da pandemia de COVID-19. Será que isso pode ser considerado uma fuga de cérebros?

Bom dia ouvintes da CBN,

#panorama

Os programadores, ou melhor, os profissionais que criam os sistemas de software e aplicativos que usamos para trabalhar ou para relaxar, esses estão bastante valorizados no mercado.

O mercado de tecnologia da informação nunca esteve tão aquecido no Brasil e no resto da América Latina.

Além de sobrarem vagas, há uma nova tendência favorecendo esses profissionais: empresas estrangeiras que buscam profissionais para trabalho home-office por aqui pagando salários em dólar ou euro.

Um estudo recente feito com mais de 1.300 profissionais mostrou que latino-americanos ganham em média 2,2 vezes mais trabalhando para empresas de fora do que para empresas de seus próprios países.

Em países que sofrem com a desvalorização de suas moedas, como Guatemala, Brasil e Argentina, os saltos são maiores — até 3 vezes mais.

Neste mesmo levantamento, quase metade dos desenvolvedores de software (46,5%) está empregado por empresas de tecnologia estrangeiras.

Quem está habilitado a desenvolver software, alvo das empresas estrangeiras?

Programar é uma ocupação que exige conhecimento técnico, raciocínio lógico e organização, além de um certo gosto por ciências exatas.

Muitas pessoas formadas em universidades, em cursos de Computação ou Análise de Sistemas, acabam se tornando desenvolvedores; no entanto, não é obrigatório que se tenha um curso superior para trabalhar na área.

Na real, as universidades hoje formam até menos do que o mercado em expansão precisa, então profissionais com outros diplomas acabam entrando na área.

Profissionais trabalham em equipe, e se tiver um computador com boa internet podem realizar suas tarefas e se comunicar com os colegas remotamente. O home-office, neste caso, é perfeitamente possível e, na maioria das vezes, até mais eficiente, já que trata-se de um trabalho que exige concentração.

É bastante comum, nesse contexto, que equipes de profissionais sejam 100% remotas. Muitas vezes a empresa nem tem uma sede física, ou um escritório. Uma equipe com 10 pessoas, em que 3 estão na Índia (em cidades diferentes), 2 no Brasil, 4 na Europa e uma gerente nos Estados Unidos. Muitas vezes a diferença de fuso-horário é um obstáculo, mas longe de ser um impedimento, afinal horários flexíveis de trabalho são quase regra na indústria. Muitos preferem trabalhar em horários alternativos.

Eu já tinha conhecimento de alguns casos de ex-alunos da Computação@UFCG que trabalhavam em seus apartamentos, aqui na Paraíba, para um empregador nos Estados Unidos ou na Europa. No entanto, desde 2020, muitos mais optaram por fazer o mesmo, mesmo antes da formatura.

#motivadores

Com a pandemia, o financiamento abasteceu startups de tecnologia nos países mais ricos, assim a demanda por desenvolvedores disparou. Claro, os talentos continuam em falta. Naturalmente, as empresas de tecnologia começaram a procurar talentos não importa onde eles morem, incluindo a América Latina.

Primeiro, o salário pago em moeda local, em regra menor que os pagos em dólar ou euro e convertidos para serem gastos na América Latina, tem um peso relevante nessa disputa por talentos. Um salário mensal de 4mil dólares, por exemplo, seria pouco atrativo para um profissional em Londres. Para um profissional brasileiro, 20mil reais, depois da conversão, estabelecem um patamar de ganhos interessantíssimo.

Além disso, a formação e experiência dos desenvolvedores latino-americanos são muito valorizadas lá fora. Até mesmo porque já tem muito profissional brasileiro trabalhando lá fora, aumentando a confiança nos talentos que estão aqui.

E com o trabalho remoto acelerando na pandemia, as empresas estão cada vez mais abertas a contratarem desenvolvedores competentes de qualquer lugar para estancarem a falta de talentos.

#fuga de cérebros

Há um último aspecto a ser considerado, o mais amplo, que é o dos efeitos dessa “fuga de cérebros” — termo que se adequa melhor a essa situação que à das migrações, já que os “corpos“ dos profissionais continuam em seus países de origem

O impacto nas empresas nacionais pode ser bem negativo, pois elas ganham concorrentes com mais dinheiro para investir em salários.

Na verdade, os efeitos disso na economia são complexos e seu impacto em larga escala ainda não é totalmente conhecido.

Se por um lado isso injeta dinheiro de fora na economia local e recolhimento de impostos, por outro exacerba o problema do êxodo de cérebros.

Conheço desenvolvedores que gostariam muito que a sua mão de obra gerasse algo de bom pro país eles moram, e não pra outro lugar. Dizem que se a diferença não fosse tão discrepante, iriam preferir trabalhar para empresas daqui (ainda de home office, porém).

Muitas vezes incapazes de igualar o salário oferecido pelas estrangeiras, a saída para as empresas no Brasil é apostar em benefícios para conquistar e reter talentos locais.

#o dia a dia do desenvolvedor

Para o recrutamento, empresas no exterior usam bastante o LinkedIn, a plataforma de busca por vagas e empregos mais usada no mundo. Ao colocar suas qualificações profissionais na plataforma, os convites começam a chegar, caso essas qualificações sejam bastante procuradas no mercado.

Existem também empresas de terceirização internacional, que cadastram desenvolvedores e cuidam dos contratos com empresas clientes, em trabalhos de curto prazo.

Duas ressalvas: o plano de aposentadoria, que é inexistente e passa a depender do próprio profissional, e as chances de eventos inesperados ocorrerem, como no caso da guerra da Ucrânia - desenvolvedores ucranianos desfalcaram as equipes internacionais em que trabalhavam.

Planejamento é uma característica imprescindível, pois o profissional que trabalha para fora precisa lidar com burocracias e cuidados que costumam ser tratadas por departamentos específicos em empresas locais.

O conhecimento de inglês é imprescindível, no entanto o nível exigido é razoavelmente simples, já que provavelmente você vai trabalhar em uma equipe recheada de pessoas que não têm o inglês como primeiro idioma. Ou seja, é mais fácil aprender quando todo mundo tem que aprender junto.

Um abraço e até a próxima.