Tiago Massoni

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Associate Professor in Computer Science

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Precisa de Ator para fazer Filme?

Comentário: Bruce Willis teria vendido seu rosto para uma empresa de Deep Fake Data: October 5, 2022 Palavras chave: cinema, deepfake, entretenimento, videochamada

Precisa de atriz, de ator, pra fazer um filme? E se o ator já estiver aposentado, ele ainda pode estrelar um novo filme de ação? A tecnologia do deepfake começa a ser discutida no mundo do entretenimento.

Saiu a notícia que o ator Bruce Willis teria vendido os direitos de seu rosto para uma empresa de Deepfake, que faz vídeos extremamente realistas com o rosto de qualquer pessoa, através da inteligência artificial. O avanço dessa tecnologia já está deixando preocupados o mundo do cinema e da publicidade.

Bom dia ouvintes da CBN,

#intro - talvez não precisemos mais de atores

Imagine o trailer: um filme de ação, novíssimo, cheio de astros e divas de Hollywood, deve estrear na Netflix em breve. Todos no auge da sua forma física, correndo, pulando, e dirigindo carros velozes. Só tem um detalhe: são todos astros já aposentados ou mortos. Isso tudo não tem nada de impossível; já tem algo por aí bem parecido.

#o que aconteceu - Bruce Willis

Na semana passada, saiu a notícia que Bruce Willis, o astro de ação dos filmes Duro de Matar, teria vendido os direitos sobre o seu rosto — isso mesmo que você ouviu — o seu rosto, para uma empresa da Rússia chamada Deepcake.

Não, nosso querido John MacLane não se transferiu para a terra de Putin para inaugurar uma Holywood russa. Até mesmo porque Bruce Willis está aposentado desde Março deste ano. Ele não vai fazer mais filmes, decisão tomada depois de ter sido diagnosticado com afasia, uma síndrome que dificulta sua fala.

A tal empresa russa é conhecida por produzir o que hoje se chama nos meios da tecnologia de DEEPFAKE, que utilizam tecnologia de Inteligência Artificial, mais especificamente Aprendizado de Máquina, para criar vídeos falsos de celebridades ou políticos altamente realistas. A criação de vídeos com um ator que não pode mais atuar seria realmente algo tão genial quanto assustador. Esse acordo com Bruce Willis seria histórico, pois seria o primeiro de um famoso astro do cinema.

Pois é, seria, pois a assessoria de Bruce Willis negou, dizendo que “apenas o ator possui os direitos sobre seu rosto”.

#ele tinha aparecido em uma propaganda da empresa

Essa história surgiu, na realidade, do fato de que a Deepcake, no ano passado, chegou a produzir um comercial para uma empresa de telecomunicações com um deepfake do Bruce Willis, e ele realmente deu o aval para a produção — mas não participou efetivamente. O ator da cena era um jovem russo, e o rosto de Bruce Willis foi colado, podemos dizer assim. Mas não é uma simples copiar e colar da imagem de um rosto; não parece uma montagem, de fato muito longe disso.

No site da empresa, há uma citação do próprio ator, dizendo que ele “tinha gostado da precisão do seu personagem. É uma ótima oportunidade de voltar no tempo”.

#explicando o deepfake

O deepfake funde, combina, substitui ou sobrepõe áudios e imagens para criar arquivos falsos em que pessoas podem ser colocadas em qualquer situação, dizendo frases nunca ditas ou assumindo atitudes jamais tomadas.

O conteúdo pode ser de caráter humorístico, político ou mesmo pornográfico.

São inúmeras as possibilidades: troca de rostos, clonagem de voz, sincronização labial a uma faixa de áudio diferente da original, entre outras. A técnica comumente distorce a percepção a respeito de um indivíduo em uma determinada situação. Para criar esse tipo de material, é preciso ter acesso a arquivos verdadeiros — fotos, vídeos ou áudios — da pessoa-alvo da manipulação, que servem para alimentar o sistema da inteligência artificial. Quanto mais material à disposição, maior é a chance de um bom resultado. Isso ocorre porque a inteligência artificial aprende com o conteúdo-modelo fornecido e, com isso, consegue reproduzir padrões, como movimentos, expressões, vozes e outras características do indivíduo.

A empresa Deepcake, como outras iniciativas similares, emprega um processo conhecido como “deep learning” (“aprendizado profundo”), em que uma técnica chamada de redes neurais aprendem a reconhecer rostos e reproduzir seus movimentos. Enquanto um recria a imagem pixel por pixel, o outro checa o quão parecido com a original ela está. No caso de Bruce Willis, esses algoritmos foram “alimentados” com 34 mil fragmentos de Willis nas mais variadas angulações, condições de luz e expressões faciais. E levou dez dias para elaborar seu “gêmeo digital” — expressão usada pela Deepcake.

#exemplos famosos de deepfake

A tecnologia de deepfake tem crescido em popularidade, principalmente por usar pessoas famosas e políticos. O problema é que ela se tornou mais uma ferramenta de desinformação. A disseminação de fake news, inclusive, foi potencializada com ela nos últimos meses no Brasil com foco nas Eleições 2022. Outro lado negativo do uso da prática com inteligência artificial é que ele facilita a criação de vídeos de pornô de vingança e/ou de conteúdos sexuais sem autorização das pessoas reproduzidas. Em 2017, quando o termo deepfake surgiu, vídeos falsos de celebridades fazendo sexo (como Ema Watson e Emma Ston) viralizaram.

A União Europeia chegou a virar notícia pela possibilidade de multar empresas gigantes de tecnologia, como Google e TikTok, que não combaterem esses tipos de deepfake.

#qual seria a situação caso fosse verdade - consequências

A indústria cinematográfica parece dar sinais de que vai em breve abraçar a tecnologia de vez, por isso a notícia aparentemente falsa sobre Bruce Willis não parece tão absurda.

O ator clássico que fez a voz do Darth Vader nos filmes de Star Wars, James Earl Jones, já também aposentado, continua dublando o personagem, inclusive em séries do Disney Plus lançadas este ano. Uma outra empresa usou para esse material novo arquivos antigos da voz e algoritmos para replicar as vozes do vilão em textos recém-escritos.

O tema é controverso…já há campanhas sendo lançadas por associações de artistas em alguns lugares do mundo, como protesto contra algo que poderia, no futuro, tirar o trabalho de todos os atores. Com a preocupação adicional de que os atores, em contratos com produtoras, poderiam perder controle de seus rostos e vozes.

#discussão ética

Em teoria, um ator com suas expressões já capturadas pelo algoritmo poderia continuar a carreira para sempre. As poucas leis envolvendo a tecnologia têm se concentrado no uso indevido de imagem. Mas não há nada sobre como a Justiça deve agir se o direito de imagem da celebridade falecida está nas mãos dos familiares.

Como com qualquer nova tecnologia, há sempre o medo de que ela irá erradicar o que veio antes. Veremos filmes em que todos os atores são gêmeos digitais? Talvez não seja problema, partindo do princípio de que eu estou sendo informado que estou diante de uma obra sem atores reais. Quanto mais as pessoas verem e saberem que algo é deepfake, mais serão treinadas para reconhecê-los. Talvez ir ao cinema ver filmes com atores de verdade nesta nova realidade se tornará algo exclusivo e diferenciado.

Uma abraço e até a próxima,