Tiago Massoni

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Associate Professor in Computer Science

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Uma famosa publicação de Ficção científica e fantasia anunciou que iria, temporariamente, parar de aceitar contos enviados pelos leitores, por causa de uma inundação de contos gerados por inteligência artificial. O pior é que os contos eram bem ruins. Os recentes avanços da Inteligência Artificial podem ameaçar o futuro da literatura?

Você leria textos de ficção científica gerados pelo chatGPT? A discussão envolve os limites da apreciação de arte criada por uma Inteligência Artificial.

Bom dia ouvintes da CBN,

#intro - noticia E lá vamos nós falar de Inteligência Artificial de novo. O assunto tem dominado os portais de notícias e os artigos nos jornais. O burburinho mais recente dá conta de revistas de ficção científica nos EUA, que publicam contos sobre aliens e entes de fantasia enviados por escritores amadores; recentemente elas anunciaram que estão banindo centenas de envios. Por quê? Há evidências claras de que esses contos foram gerados pelos robôs de conversação avançados, entre eles o famosíssimo chatGPT.

Uma só revista, a Clarksworld, baniu, até meados de fevereiro, 500 “autores” por envios “gerados por máquinas”. O número total de submissões foi 700 no mês, ou seja, só 200 contos foram reconhecidos como feitos por escritores de carne e osso. Antigamente, eles só baniam autores quando havia evidência de plágio; agora, plágio é o de menos. O regulamento da revista determina que ela não aceita textos feitos com a ajuda da IA, mas as pessoas que mandam o texto apenas mentem, e mandam assim mesmo.

No fim, está todo mundo mesmo abusando da tecnologia de modelos de linguagem extensos, cujo principal exemplar é o chatGPT. Por baixo está um sistema de predição que tenta adivinhar o texto que deve ser escrito em uma determinada situação, com base em textos anteriores que ele já processou e, digamos assim, aprendeu. Se eu pedir para esse sistema escrever uma redação sobre aparições de discos voadores, ele usa vários textos da internet sobre esse assunto e vai gerando o conteúdo em cima de uma estrutura de frases também tomada de textos anteriores. O resultado dá mesmo a impressão de você estar conversando com alguém, com ideias reais e legítimas.

O GPT é diariamente alimentado por milhões de textos, e pela própria interação com as pessoas no chat, o que faz com o que diálogo pareça mais humano. Assim, é fácil eu pedir para o sistema escreva um conto de ficção científica, por exemplo, que contenha certos elementos básicos, como um vilão, uma nave espacial, viagens no hiperspaço e algum conflito entre planetas. O texto gerado é gramaticalmente bem construído. A interação com o ChatGPT é gratuita, mas, por causa da alta demanda, mais de 100 milhões de acessos simultâneos, o site vive tendo instabilidade de acesso. Por isso, no mês passado a empresa OPENAI lançou um plano de prioridade de acesso, por 105 reais por mês. O pacote de assinaturas é a primeira experiência de monetização do produto junto aos usuários, pois o ChatGPT não exibe anúncios. Mas a startup deve ganhar muito dinheiro nos próximos anos nos acordos com grandes empresas, como o feito recentemente com a Microsoft.

Mas, qual o problema de contos gerados pelo chatGPT? Estariam os autores com medo da evolução da tecnologia? Na verdade, longe disso. A questão é que os contos eram simplesmente muito ruins. Eles seguem alguns padrões muito óbvios, que dariam sono em qualquer leitor. Além de títulos sem graça e repetitivos, os nomes e tipos de personagens são de uma mesmice estarrecedora. Dá pra perceber rapidamente, logo nas primeiras linhas. O sistema é capaz de replicar certos elementos técnicos de escrita, estabelecendo os principais personagens e um conflito importante, mas falham miseravelmente em estabelecer pontos de vista. Além disso, os finais são muito limpinhos e sem graça, e tendem ao melodrama barato. Os nomes dos autores também soam falsos, e sempre contém informações pessoais incoerentes.

Inteligências artificiais como o ChatGPT são treinadas a partir de textos obtidos pela internet — muitos deles, inclusive, protegidos por direitos autorais. Então, é muito difícil para a ferramenta criar algo realmente novo. Um conto escrito pelo ChatGPT provavelmente será previsível e entediante. Na verdade os editores perceberam que vários desses envios ocorriam com minutos de diferença, do mesmo endereço IP; ou seja, algo realmente sistemático, orquestrado. O grande número de submissões sobrecarregou os editores na hora de avaliar quem deveria ser publicado.

Esse tipo de coisa tem uma simples e previsível motivação. As revistas pagam cerca de 12 centavos de dólar por palavra publicada, um ótimo alvo para quem procura ganhar dinheiro fácil. Como a imprensa tem mostrado nos últimos dias, o YouTube já está cheio de vídeos ensinando como usar o ChatGPT para criar livros infantis em menos de cinco minutos e obter uma forma de renda passiva. Outras inteligências artificiais também são mencionadas, como a Midjourney AI, que cria ilustrações a partir de descrições em texto. O trabalho com a IA leva bem menos que todo o processo editorial que envolve um livro.

Há o caso de um americano, que diz ter gastado algumas horas para chegar no livro O esquilinho sábio: um conto sobre poupar e investir. Para isso, ele pediu para a inteligência artificial coisas como “escreva uma história sobre um pai ensinando seu filho sobre educação financeira”. As ilustrações também foram feitas automaticamente. O livro foi publicado na loja do Kindle, da Amazon. A obra é vendida por US$ 2,99 na versão digital e US$ 9,99 na versão impressa. Os resultados de venda? Pífios. O autor diz ter ganhado, em dois meses, 100 dólares.

Olha que curioso: na Amazon, o ChatGPT já aparece como co-autor de mais de 200 livros, segundo levantamento feito pela agência de notícias Reuters.

Não dá pra dizer que poderemos evitar isso no mundo do trabalho criativo. Talvez a solução seja exigir dos autores que sejam transparentes em revelar que um texto foi criado com o auxílio de inteligência artificial. Quem sabe, um primeiro passo. Os sistemas de geração de texto vão certamente evoluir, mas há um certamente um limite. Afinal, a literatura é natureza humana em estado puro. Nada é mais humano que a arte.

Um abraço e até a próxima.