Tiago Massoni

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Associate Professor in Computer Science

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“O que um desenho animado antigo mostra da forma como lidamos com os avanços tecnológicos?”

Resumo: A tecnologia futurística da animação “Os Jetsons”, da década de 60, já é realidade. Desde a videochamada até o aspirador robô, diversos dispositivos imaginados pelos criadores da série se tornaram parte do nosso cotidiano. Ainda, a automação de tarefas domésticas, o uso de carros voadores e a interação com assistentes virtuais são outros exemplos da concretização da tecnologia dos Jetsons.

Bom dia ouvintes da CBN,

A série animada “Os Jetsons” foi concebida em 1962, retratando o ano de 2062. Embora tenha sido uma representação futurista, muitos dos avanços tecnológicos ilustrados na série já são uma realidade atualmente. O desenho passava muito durante os anos 80 no Brasil, junto com outros desenhos da Hanna-Barbera. A família Jetson, composta por Jane, George e seus filhos, Elroy e Judy, vivia em Orbit City, uma cidade especial situada em 2062, ou seja, daqui a aproximadamente quarenta anos. No entanto, grande parte das tecnologias futuristas apresentadas no desenho já fazem parte do nosso mundo de hoje. Seria possível que a evolução tecnológica esteja avançando mais rapidamente do que se esperava no passado?

Os Jetsons não deixa de ser uma utopia espacial. Apartamentos enormes com decoração minimalista, pessoas se locomovendo por carros voadores, skates flutuantes ou tubos de vácuo. O desenho foi criado para a TV nos anos 1960, época em que o mundo vivia grandes expectativas, especialmente em torno da corrida espacial e dos computadores, na época máquinas gigantescas que só funcionavam em grandes empresas e orgãos de governo. Antes dos Jetson, o estúdio de animação Hanna Barbera tinha um grande sucesso passando no horário nobre da TV: os Flintstones. Ou seja, uma animação pra adultos, onde tudo que havia nos anos 60 era transportado para a idade da pedra, ou seja, um passado tecnológico feito de rochas. A rede de TV ABC, dado o sucesso de Fred, Barney, Wilma e Beth, encomendou outro no mesmo estilo. Algo como, a mesma coisa, mas no futuro.

No desenho animado, a família Jetson se desloca pela cidade em carros voadores. Embora ainda não tenhamos carros voadores comercialmente disponíveis, a tecnologia de drones avançou bastante nos últimos anos, permitindo o transporte de cargas e até mesmo pessoas em alguns países.

Outra tecnologia presente na série é a casa inteligente, com dispositivos controlados por voz e outros recursos que ajudam nas tarefas do dia a dia. Hoje em dia, temos assistentes de voz como a Alexa e o Google Home que nos ajudam a controlar a temperatura, as luzes e outros aparelhos eletrônicos em nossas casas.

Chamadas em vídeo são a norma no desenho dos Jetsons, apesar de sempre serem feitas através de uma espécie de televisão de tamanho fixo, não um dispositivo móvel. Independente do local, a conectividade é sempre perfeita — baixa latência, sem falhas, ainda algo impossível de imaginar. Teria a cidade uma versão aprimorada do 5G? Bom, vídeo-chamadas pareciam ser muito comuns como objeto de desejo futurístico, sendo inclusive retratada em muitos filmes e programas de TV na época. Com o desenvolvimento da internet e o barateamento da conexão, junto com a popularização de dispositivos com câmeras e microfones, tudo isso se tornou pelo menos possível. Mesmo com todas as limitações, a nossa vida está rodeada por vídeo-chamadas.

Os Jetsons também apresentavam uma cozinha futurista, com um robô que preparava as refeições. Embora não tenhamos robôs de cozinha tão avançados quanto o apresentado na série, temos dispositivos que facilitam o preparo de alimentos, como o processador de alimentos e o liquidificador. Algumas coisas ainda vão levar um bom tempo, como casas totalmente automatizadas, numa versão muito mais poderosa do que vemos hoje em algumas residências modernas — a casa dos Jetsons revelavam mãos mecânicas que escovavam os dentes das pessoas, lavavam e secavam roupas, e as vestiam nas pessoas enquanto penteavam seus cabelos.

A possibilidade de preparar alimentos automaticamente sempre foi um sonho do futuro, onde seria possível escolher o prato através de botões e ele apareceria na mesa, como uma impressora 3D de alimentos. E esse sonho não está tão distante da realidade, com protótipos de máquinas que imprimem pizza e outros pratos a partir de escolhas. Além disso, a ideia de refrigeradores inteligentes que fazem pedidos aos mercados quando detectam que algum produto está acabando, é um conceito próximo do que se pretende com a internet das coisas. Nos Jetsons, nunca vemos a família comprando alimentos, o que torna tudo ainda mais parecido com a realidade atual.

Na série, as roupas dos personagens se ajustam automaticamente ao corpo. Hoje em dia, temos tecidos inteligentes que se adaptam à temperatura ambiente e outras condições, além de wearables como relógios inteligentes que monitoram a atividade física e a saúde.

Os Jetsons também apresentavam uma máquina que preparava o café da manhã automaticamente. Hoje em dia, temos cafeteiras programáveis que preparam o café na hora que queremos. Outra tecnologia presente na série é a esteira rolante, que ajuda os personagens a se locomoverem pela cidade.

Tarefas domésticas são certamente coisa do passado no 2062 dos Jetsons. Os aspiradores de pó robóticos estão em todas as casas, como já existem hoje, inclusive. Lembro que o aspirador dos Jetsons era meio preguiçoso, e às vezes varria a poeira pra baixo do tapete, no sentido literal. Temos também a personagem mais carismática e engraçada do desenho, Rosie, empregada robô, que se tornou um querido membro da família. Ela não é só um robô limpador, ela é uma confidente deles, e emite opiniões bem firmes sobre o dia a dia da casa. A Rosie pode talvez refletir o que está se prevendo para nossos assistentes digitais, que, além de nos ajudar com as coisas em casa, entenderão nossas emoções e responderão de acordo. E com isso viria a crença meio assustadora de que os assistentes nos conhecerão melhor que familiares e amigos. Será?

No quesito trabalho, George Jetson é um operador de index digital numa empresa que não sabemos o que produz; George parece ficar apertando botões o dia todo, e só trabalha três horas por dia. Seu chefe dizia sempre algo como “Pensar? A sua máquina é que deve pensar por você, George!” Ou seja, dá pra gente especular que, em Orbit City, a chamada Indústria 4.0 atingiu o auge, onde o trabalho não seria mais que checar monitores e colocar a mão na massa o menos possível. Na verdade os Jetsons incorporam muitas das predições comuns na época sobre a indústria, que continuam dando assunto hoje. A expansão do 5G e tecnologia celular propõem-se a reformatar muitos setores da sociedade e transformar a fabricação de produtos, o que aumentaria a eficiência e produtividade. Com isso tudo, vem junto o temor justificado de que a automação deixará a maioria de nós sem emprego. Ou seja, consequências supostamente positivas e negativas com as quais teremos que lidar.

Tem muitas outras coisas no desenho que viraram realidade mais cedo do que eles pensavam. Câmaras de bronzeamento artificial, pílulas médicas com câmeras para exames de imagem, TVs de tela plana e alta definição, despertadores que falam (e insistiam bastante pra George acordar), jornais digitais e drones.

Dá pra concluir que muito do que foi mostrado lá em 1962 é bastante plausível hoje, mesmo que não seja ainda possível. Mesmo assim, temos que lembrar que nós nunca conseguimos prever todos os desafios que afetam o desenvolvimento de tecnologias no futuro, ou seja, a interação da tecnologia com o fator humano. Outro programa de TV, a série Black Mirror (hoje na Netflix), está aí pra nos alertar disso. O mundo dos Jetsons seria inclusivo e menos desigual? Será que eles controlaram os danos ao meio-ambiente?

Um abraço e até a próxima.