Tiago Massoni

Logo

Associate Professor in Computer Science

View My GitHub Profile

Pessoas com deficiência e tecnologia

Comentário: nível de acessibilidade digital Data: October 19, 2022 Palavras chave: Tecnologia, acessibilidade, pcd

Pessoas com deficiência conseguem usar facilmente a tecnologia? Os sites e aplicativos na internet ainda precisam melhorar muito na inclusão desses usuários. O que a legislação e os desenvolvedores de soluções podem fazer em relação a isso?

Pessoas com deficiência conseguem usar facilmente a tecnologia? Os sites e aplicativos na internet ainda precisam melhorar muito na inclusão de pessoas com deficiência; é o que mostram pesquisas recentes sobre inclusão tecnológica. O que pode ser feito pela indústria da tecnologia em relação a isso? Por exemplo, o que um site na internet deve fazer em prol de seus usuários para serem mais inclusivos?

Bom dia ouvintes da CBN,

Você já precisou se cadastrar em um site ou aplicativo através do reconhecimento facial, não é? Nesse tipo de autenticação, o usuário normalmente é orientado a posicionar o rosto em uma área delimitada, como um círculo, um quadrado ou um retângulo.

Pois é, ouvintes, no caso de uma pessoa cega. Como é que faz? Provavelmente ela vai precisar da ajuda de outra pessoa.

Além disso, existem alguns aplicativos bancários que, além de solicitar o reconhecimento, pedem que o usuário pisque os olhos. E aí, como fazer?

É um enorme desafio para as empresas de tecnologia projetar dispositivos ou software adequados para a utilização de pessoas com deficiência. E não há como justificar mais a omissão nesses casos.

Algo que preocupa é que o Brasil atingiu neste ano o pior nível de acessibilidade digital desde 2019, de acordo com um estudo realizado pelo Movimento Web Para Todos.

Em 2022, apenas 0,46% dos 21 milhões de sites analisados no levantamento estão livres de barreiras para pessoas com deficiência.

Isso é um problema mais sério ainda quando se trata de serviços públicos. Outra pesquisa mostra que somente 0,7% dos portais e páginas sob o domínio gov.br (federais, estaduais e municipais) são plenamente acessíveis. Os dados mostram que a tecnologia ainda precisa avançar para ser mais inclusiva.

Por exemplo, o atual sistema de reconhecimento facial utilizado pelo aplicativo gov.br, do governo brasileiro, também não tem acessibilidade para pessoas cegas e com baixa visão.

Essas pessoas com deficiência precisam do auxílio de softwares leitores de tela, que produzem uma voz que vai guiando a navegação. Erros frequentemente identificados em sites podem ser: a falta de textos nos botões que permitem receber a informação via voz, ou a falta de descrição textual das imagens. Além disso, muitos sites inviabilizam a navegação sem mouse por pessoas cegas ou com dificuldade de manuseio.

Tornar uma página mais acessível para pessoas com deficiência cria uma melhor navegação a todos os públicos, inclusive pessoas idosas ou com baixo letramento. São sites mais simples e fáceis para os usuários de uma maneira geral.

Por outro lado, podemos dizer que a discussão sobre o assunto já possibilitou algumas ações em acessibilidade digital.

De um lado, parte das empresas busca capacitar suas próprias equipes e criar grupos específicos para tratar do tema.

Do outro, consultorias se especializam em diagnosticar e corrigir problemas, criando oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência visual dentro das empresas.

Seguindo essa tendência, algumas empresas têm tentado incentivar que seus programadores dediquem parte do seu tempo ao estudo das diretrizes para garantir acessibilidade digital. A manutenção da qualidade da acessibilidade também pode ser testada; ouvi relatos de empresas de desenvolvimento de sites que, de tempos em tempos, desligam os monitores para testar se conseguem navegar nos sites que eles mesmo produzem.

Pode-se contratar também empresas especializadas em consultoria de acessibilidade digital, que são pagas para fazer essas verificações. Muitas dessas empresas possuem, entre seus fundadores e colaboradores, pessoas com deficiência.

Quando falamos de sites com acessibilidade, estamos falando de medidas de desenvolvimento razoavelmente simples, que não são implementadas por simples omissão de equipes de engenharia, que na grande maioria dos casos não incluem pessoas com deficiência.

Por exemplo, como eu disse antes, imagens em sites e aplicativos podem incluir uma descrição para que serviços de leitura automatizada de sites possam indicar o que está sendo mostrado na tela.

As letras de um site podem apresentar fontes e fundo de tela que facilitem a visualização por quem tem baixa visão. Por exemplo, evite usar texto cinza-claro em um plano de fundo branco. Além disso, use texto grande, alinhado à esquerda, quando possível. O texto justificado é mais difícil de ler devido ao espaço extra entre as palavras.

Pode-se evitar também usar expressões como “clique aqui” ou apenas a própria palavra como link, dando preferência a textos que indiquem o que a pessoa irá encontrar ao clicar. A melhor opção é usar o título da página como o texto do link. Por exemplo, no link para a página do seu perfil, adicione “meu perfil” como texto do link, e não “clique aqui”.

Já existem serviços para desenvolvedores de sites que verificam o nível de acessibilidade, como o Lighthouse do Google. Nesses casos, basta incorporá-los ao desenvolvimento do site para uma rápida avaliação da qualidade do código.

A Lei Brasileira de Inclusão, em vigor desde 2016, exige a acessibilidade em sites de empresas com sede ou representação comercial no país ou por órgãos de governo, mas o artigo que faz essa determinação ainda não recebeu uma regulamentação específica no país.

Bom, podemos dizer que a pandemia de COVID-19 força as instituições públicas e privadas a pensar em inclusão tecnológica de uma forma talvez nunca vista, já que educação e trabalho tiveram que depender da tecnologia quase 100%. Com isso, a acessibilidade digital tornou-se um assunto bastante discutido nas empresas, e isso acabou sendo positivo. Muitas aplicações acabaram trazendo inovações interessantes nesse sentido. O Google Meet e o Skype, por exemplo, para reuniões online, implementaram o recurso de legendas para deficientes auditivos. Várias ferramentas tem sido usadas para o apoio educacional, como é o caso dos sistemas DOSVOX e JAWS (leitores de conteúdo de tela para quem não consegue visualizar, com saída de fala e braile), e a suite VLIbras, trazendo conteúdos digitais mais acessíveis para as pessoas surdas.

Outro exemplo: a Hand Talk é uma aplicação que traduz todo o conteúdo do seu site, do português para a Libras – Língua Brasileira de Sinais, com instalação simples de um Plugin, gerando um código e inserindo em qualquer site.

Há ainda softwares que convertem materiais impressos em saídas de fala ou que fazem o oposto, transcrevem na tela tudo que está sendo dito por alguém ao alcance do smartphone, auxiliando a compreender sons.

Hoje, que bom, sabemos que é impossível determinar barreiras ou fronteiras para o desenvolvimento de pessoas com qualquer tipo de deficiência.

Por isso, as empresas devem incentivar seus funcionários com deficiência a trabalhar em home office, adaptando ferramentas e ambientes e cumpra com o dever e responsabilidade como empresa. Aos educadores cabe a responsabilidade de buscar aprimorar a experiência de pessoas com deficiência com as ferramentas disponíveis, procurando oferecê-las assim que são disponibilizadas.

E a indústria de tecnologia? Cabe a ela uma simples diretriz: incluir. Primeiro, fora delas, para seus usuários. E, segundo, para dentro, trazendo mais pessoas com deficiência para suas equipes de engenharia. Aquelas que criam as tecnologias vão naturalmente incluir mais os usuários que precisam desse suporte, lá fora, no mundo.

Um abraço e até a próxima