Tiago Massoni

Logo

Associate Professor in Computer Science

View My GitHub Profile

O que é o PL das fake news, que aliás nem tem mais esse nome? Vamos falar por que é importante todos nós sabermos um pouco mais sobre ele.

O Telegram disse que pode dar poder de “censura” ao governo brasileiro; Google, que aumentaria “a confusão sobre o que é verdadeiro ou falso”. Qual é o projeto de lei que busca regulamentar as plataformas de redes sociais no Brasil e por que gera tanta polêmica?

Bom dia ouvintes da CBN,

#o que é o projeto, histórico Você estar ouvindo muito sobre o tal Projeto de Lei 2630/2020, um projeto apresentado há três anos no Senado, que na época foi chamado de “PL das fake news”. A proposta era inspirada na Lei de Serviços Digitais (DSA) aprovada na União Europeia (UE). Lá na Europa, ela obriga plataformas de redes sociais, mercados online e mecanismos de busca a reagir mais rapidamente para remover conteúdos considerados em violação das regras, exigindo mais transparência de seus algoritmos.

No Brasil, a discussão ganhou tração ultimamente por alguns fatos marcantes, desde a tentativa de golpe de estado em Janeiro, e os recentes ataques em escolas, que resultaram na morte de crianças e professores. Eventos esses em que as redes sociais tiveram papel preponderante, tanto na disseminação de informação falsa como na divulgação de conteúdos extremistas.

O projeto atual é resultado de diversas modificações, hoje centrado no combate a conteúdos ilegais, e conta com a defesa do governo, parte do Poder Judiciário e a coalizão de organizações da sociedade civil Direitos na Rede. Por outro lado, gera resistência entre empresas de tecnologia, e políticos de um espectro mais conservador. A celeuma das últimas semanas acabou provocando o adiamento da votação prevista na Câmara dos Deputados para os primeiros dias de Maio desse ano, sem previsão de nova data.

Afinal, o que esse projeto mudaria no cenário legal das redes? Atualmente, Google, Facebook, Instagram, Telegram, entre outras plataformas, supervisionam o conteúdo postado nas redes com base em suas políticas internas (termos de uso) e também agem por ordem judicial. Existe uma lei no Brasil, de 2014, chamada Marco Civil da internet, que estabelece que as empresas NÃO respondem civilmente por conteúdos publicados por terceiros, exceto quando descumprirem uma ordem judicial de remoção ou quando forem imagens de nudez divulgadas sem o consentimento da vítima. Recentemente li uma analogia interessante para essa situação: é como se essas empresas fossem murais para a colocação de cartazes, cuja fonte de renda vem da publicidade exibida para quem passa lendo esses cartazes. Se alguém vai lá e cola um cartaz com uma mensagem racista ou homofóbica, a culpa é de quem colou, e a empresa que gerencia o mural, legalmente, não tem nada a ver com isso. Se a polícia for lá e mandar retirar o cartaz, ok, ela retira. Caso contrário, continua lá.

Bom, o PL em discussão propõe mudanças a isso. Ele obrigaria as plataformas a aumentarem sua transparência e adotarem mecanismos de combate a conteúdos ilegais, especificamente em sete temas: atentado ao Estado democrático de Direito e eleições; contra crianças e adolescentes; saúde pública e os que configuram violência contra a mulher, racismo, terrorismo e incitação ao suicídio e à automutilação. Isso se aplicaria às plataformas de redes sociais, de busca ou de mensagens instantâneas que tenham mais de 10 milhões de usuários mensais no Brasil, como no caso do Telegram e Google. O projeto também estabelece que as plataformas podem responder judicialmente por conteúdos ilegais publicados por seus usuários, caso sejam impulsionados como publicidade paga. As sanções vão desde advertência, multa de até 10% do seu faturamento ou suspensão temporária dos serviços.

Quem não concorda com essa lei traz algumas questões importantes. A princípio, a ideia de regulamentar redes sociais e aplicativos de mensagens pode soar como um ataque à liberdade de expressão, ou algo como uma intervenção do poder público na esfera privada. Os mais exaltados acusam o projeto de implementar censura na internet. Há um defeito importante no atual projeto, segundo especialistas, que é não definir o orgão que vai fiscalizar o cumprimento da lei. Por exemplo, diante da acusação de que o PL instituiria um ‘Ministério da Verdade’, que definiria o que pode ou não pode publicar na rede, os deputados retiraram a criação de uma agência reguladora da última versão. Fica claro aí o risco de algo assim cair nas mãos de algum órgão político e não técnico e independente.

Mas, os opositores mais barulhentos do PL são mesmo as grandes plataformas de redes. O Telegram enviou recentemente uma mensagem a todos os seus usuários alertando que “a democracia está sob ataque” no Brasil, criticando que o projeto “permite que o governo limite o que pode ser dito online ao forçar os aplicativos a removerem proativamente fatos ou opiniões que ele considera ‘inaceitáveis’”. Google, por sua vez, afirmou que a proposta “traz graves ameaças à liberdade de expressão”, ao responsabilizar as plataformas por conteúdos de terceiros, o que levaria a uma “moderação excessiva”.

Um estudo do grupo de pesquisas NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indica que Google e Meta usaram seus algoritmos para impulsionar artificialmente a disseminação de conteúdos contrários à aprovação do projeto. As empresas negam terem feito isso; mas que elas têm a capacidade para fazê-lo, é fato.

Agora, opiniões à favor. Especialistas reforçam que as plataformas não precisariam moderar tudo, apenas restringir ou rotular esses conteúdos, mostrando que estão se esforçando para combater. Uma comparação que me parece apropriada: a lei não diz o que a indústria de alimentos deve ou não deve produzir; mas estipula regras mínimas de segurança e transparência para garantir que todos os produtos que chegam aos consumidores sejam seguros e tragam as informações necessárias na embalagem para que cada pessoa possa decidir se deseja ou não consumir aquele alimento. Se uma empresa desobedece a essas regras ela pode receber uma multa, ser obrigada a retirar seus produtos do mercado, ou até mesmo ser fechada. Por que não fazer o mesmo com as plataformas? Ressalto que esse é um questionamento que está sendo feito no mundo todo, não apenas no Brasil.

Contra ou a favor, é difícil negar que a discussão é necessária. Temos que reconhecer que essas empresas têm uma influência gigantesca sobre nossas vidas, sobre nossas democracias, e que essa influência não é aleatória nem desprovida de interesses econômicos. Os algoritmos que escolhem o que vai aparecer pra gente no smartphone são criados por essas empresas, e podem ser continuamente ajustados por elas, hoje sem muita transparência.

Se essas empresas têm a tecnologia para identificar e rastrear conteúdos criminosos ou mentirosos, não deveríamos exigir que elas o façam? A questão a ser discutida fica mais para o que fazer exatamente; se é para suspender ou não contas, ou bloquear postagens, ou alertar as autoridades, definindo que autoridades são essas. Essa deve ser a discussão do Projeto de Lei, assim espero.

Pense bem: quantas das decisões que você toma no seu dia a dia e sobre a sua vida são pautadas por informações que você busca na internet ou visualiza nas suas redes sociais?

Um abraço e até a próxima.